quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

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Capote (Capote) e Confidencial (Infamous): um exercício cinematográfico.

Duas cinebiografias sobre o mesmo escritor norte americano, Truman Capote, cobrindo um mesmo período da vida deste, o processo de pesquisa para escrever o que se tornaria uma das grandes obras da literatura americana, “A sangue frio” resultam em algo curioso: obras nitidamente diferentes e inteligentes.
Antes a sinopse. Em 1956, o escritor famoso por obras como Bonequinha de Luxo, Truman Capote, lê um artigo num jornal sobre um assassinato brutal de uma família duma pequena cidade do Kansas. Instigado, ele segue para lá no intuito de escrever sobre o estado de desconforto da população local, uma vez que qualquer um poderia ser suspeito do crime. Só que seus planos são mudados pela descoberta dos assassinos, e seu relacionamento com um deles.
O primeiro, Capote, dirigido por Bennett Miller, não possui grandes ou muito famosos rostos mas um elenco eficiente, fotografia risível em alguns momentos (muitos planos abertos de paisagens com duas árvores fazem você questionar o bom gosto do diretor de fotografia), roteiro afiado e direção segura, tem seu brilho na atuação de Philip Seymour Hoffman.
Com uma atenção perfeccionista às minúcias de cada movimento da sua caracterização (perceba, por exemplo, a execução de gestos no pequeno desfile para sua amiga Nelle Harper Lee na saída do hotel), a atenção à voz do afetado autor conhecido por ter o timbre igual ao de um repolho de Bruxelas se este falasse, perfeitamente simulada. Este filme desperta uma vontade irresistível de procurar mais filmes com o ator, tamanha a desenvoltura do Hoffman. Adianto que quem optar por fazer isto assistirá obras muito boas, como Boogie Nights, Magnólia, Mary e Max, entre outros.
O roteiro é igualmente ótimo pelos diálogos inspirados, nos quais fica explícito a personalidade corrosiva de Capote, oferecendo a possibilidade para o estudo de personagem: Capote era irônico, sarcástico, manipulador, depressivo. Ao decorrer da sua pesquisa numa pequena cidade do Kansas, vai se enredando por essa realidade diferente (existe realmente um choque cultural entre o escritor acostumado às altas rodas da sociedade na cidade grande e a população do interior) e tem um affair com um dos assassinos, Perry (Clifton Collins Jr.).
Aproximando-se do homicida com clara intenção de sugar informações, Capote ajuda Perry e seu comparsa com advogados e visitas, mas o relacionamento entre os dois ultrapassa o limite do utilitarismo, criando uma confusão afetiva no autor (e contornos mais interessantes à trama). Contudo, todo esse relacionamento é tratado com insinuações, de forma mais abstrata, numa abordagem semelhante à de Philadelphia (1999), e assim o filme tende mais ao politicamente correto.
Confidencial, por ser um filme independente (mas recheado de rostos conhecidos, inclusive Sandra Bullock numa atuação ótima como Nelle), é mais ousado em vários aspectos. A começar, o próprio Capote na interpretação de Toby Jones (ótimo como Hoffman) aqui é mais afetado e mais sensacionalista. Numa cena específica, é mostrado como seu Capote testava diversas frases em seus diálogos e escolhia para o livro aquela que tivesse causado mais impacto no ouvinte.
A relação com o homicida nas visitas à cela também são menos pudicas e mais passionais, atestando também o talento de Craigh no papel do assassino. O maior trunfo aqui também é o roteiro, mais intimista, entrecortando a narrativa dos episódios com depoimentos diversos sobre o autor que vão desde a sua personalidade ímpar até sua relação com os pais, numa abordagem psicológica para explicar o jeito de ser da personagem. De infância pobre e sem carinho dos pais, Capote e Collins Jr. aqui parecem irmãos de almas gêmeas, separados pelas oportunidades. No geral, é esta abordagem menos cast(rada)a que diferencia e torna o filme interessante de ver e comparar. No final, o que temos é isso: duas obras que parecem se repelir e se completar, e são obrigatórias para os fãs de cinebiografias ou aqueles que simplesmente apreciam bons filmes.
* * * * (ótimo)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

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Cisne Negro: uma experiência arrebatadora do início ao fim


Comecei a assistir Cisne Negro com uma certa expectativa, pois simpatizo com o estilo de direção de Darren Aronofsky desde que vi o famigerado Requiem para um Sonho, tenho certo fascínio pelo Lago dos Cisnes, pelo conto em si, e pela abordagem psicológica prometida pela sinopse. Mas Aronofsky foi além, entregando um filme conciso, que aborda questões como a dedicação artística e a sexualidade com ousadia e verdade, além de nos brindar com um final dramático tão triunfante, ainda que clichê, que me faz concordar com a pretenciosa frase final que encerra a projeção: “Foi Perfeito”.

A sequência inicial nos apresenta à personagem Nina, numa interpretação bravura de Natalie Portman, dançando o que será um de seus dilemas por todo o filme, o Lago dos Cisnes, precisamente a maldição sobre Odette, que se transforma em cisne. O equivalente na vida real de Nina é o fato de conseguir ser escolhida para o papel da Rainha dos Cisnes numa remontagem do clássico de Tchaikovsky. Agora presa artisticamente pelo compromisso, e só entende a submissão do artista com a arte e suas implicações dolorosas aquele que não é mero consumidor, ela fará tudo para superar seu maior entrave: sua personalidade, seu próprio eu.

Acontece que Nina tem todas as características do Cisne Branco, a pureza, inocência e apego as regras que ela reflete em sua dança tecnicamente perfeita, mas não convence como Cisne Negro, personagem malicioso, passional. A tentativa de se moldar como Cisne Negro através da batalha com elementos reprimidos de sua personalidade, como a sexualidade, e as consequências disso completam os dilemas que guiam o filme.

A construção psicológica do argumento enriquece a história através da personagem controladora mãe de Nina (Barbara Hershey), uma bailarina que abandona a profissão devido à gravidez. Esta infantiliza a filha destruindo sua privacidade, como quando não permite que a filha se tranque no quarto, ou mantendo uma decoração de bonecos e pelúcias no quarto. Por outro lado, o diretor do ballet, interpretado por Vincent Cassel, tenta extrair de forma violenta a sexualidade de Nina, induzindo-a a buscar em aventuras sexuais a libido que falta para melhorar sua dança. Vale citar também o pequeno (e apropriado) papel dado a Winona Ryder, que também convence como a bailarina aposentada pela idade, substituída por Portman.

O jogo de espelhos, as duplicatas vestidas de negro que a sempre santa Nina enxerga à sua espreita são recursos empregados com inteligência, sem cair no clichê. A versátil câmera de Matthew Libatique dá ora um tom de documentário, para dar veracidade, outra dança acompanhando os bailarinos na auto destruição de Nina. Os efeitos sonoros e a trilha, baseada na peça, ajudam a criar o clima de suspense que permeia a aflição e as alucinações de Nina. Mas o contraponto essencial está na personagem de Mila Kunis, a Lily.

Um cisne negro perfeito, maledicente e luxuriosa, Lily se torna para Nina uma obsessão, tanto como fonte de inspiração quanto como adversária na dança, uma vez que a paranoia a faz ter certeza que Lily deseja lhe roubar o papel. Enfrentando uma Lily idealizada na sua mente, Nina enfrenta apenas os próprios tabus, o que rende também cenas picantes como a bem executada transa entre as personagens.

O final é emblemático, e obviamente não contarei aqui. A conclusão da obra é impactante, tem a interpretação mais visceral de Natalie Portman, e vai arrancar um sorriso de satisfação daqueles que realmente gostam do cinema-arte, mas posso adiantar que o simbolismo nunca teve utilidade tão prática. E tão brilhante.

* * * * * (cinco estrelas)

Meu favorito ao Oscar desse ano, concorrendo a melhor filme, diretor, atriz, edição e fotografia.


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