terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Cisne Negro: uma experiência arrebatadora do início ao fim


Comecei a assistir Cisne Negro com uma certa expectativa, pois simpatizo com o estilo de direção de Darren Aronofsky desde que vi o famigerado Requiem para um Sonho, tenho certo fascínio pelo Lago dos Cisnes, pelo conto em si, e pela abordagem psicológica prometida pela sinopse. Mas Aronofsky foi além, entregando um filme conciso, que aborda questões como a dedicação artística e a sexualidade com ousadia e verdade, além de nos brindar com um final dramático tão triunfante, ainda que clichê, que me faz concordar com a pretenciosa frase final que encerra a projeção: “Foi Perfeito”.

A sequência inicial nos apresenta à personagem Nina, numa interpretação bravura de Natalie Portman, dançando o que será um de seus dilemas por todo o filme, o Lago dos Cisnes, precisamente a maldição sobre Odette, que se transforma em cisne. O equivalente na vida real de Nina é o fato de conseguir ser escolhida para o papel da Rainha dos Cisnes numa remontagem do clássico de Tchaikovsky. Agora presa artisticamente pelo compromisso, e só entende a submissão do artista com a arte e suas implicações dolorosas aquele que não é mero consumidor, ela fará tudo para superar seu maior entrave: sua personalidade, seu próprio eu.

Acontece que Nina tem todas as características do Cisne Branco, a pureza, inocência e apego as regras que ela reflete em sua dança tecnicamente perfeita, mas não convence como Cisne Negro, personagem malicioso, passional. A tentativa de se moldar como Cisne Negro através da batalha com elementos reprimidos de sua personalidade, como a sexualidade, e as consequências disso completam os dilemas que guiam o filme.

A construção psicológica do argumento enriquece a história através da personagem controladora mãe de Nina (Barbara Hershey), uma bailarina que abandona a profissão devido à gravidez. Esta infantiliza a filha destruindo sua privacidade, como quando não permite que a filha se tranque no quarto, ou mantendo uma decoração de bonecos e pelúcias no quarto. Por outro lado, o diretor do ballet, interpretado por Vincent Cassel, tenta extrair de forma violenta a sexualidade de Nina, induzindo-a a buscar em aventuras sexuais a libido que falta para melhorar sua dança. Vale citar também o pequeno (e apropriado) papel dado a Winona Ryder, que também convence como a bailarina aposentada pela idade, substituída por Portman.

O jogo de espelhos, as duplicatas vestidas de negro que a sempre santa Nina enxerga à sua espreita são recursos empregados com inteligência, sem cair no clichê. A versátil câmera de Matthew Libatique dá ora um tom de documentário, para dar veracidade, outra dança acompanhando os bailarinos na auto destruição de Nina. Os efeitos sonoros e a trilha, baseada na peça, ajudam a criar o clima de suspense que permeia a aflição e as alucinações de Nina. Mas o contraponto essencial está na personagem de Mila Kunis, a Lily.

Um cisne negro perfeito, maledicente e luxuriosa, Lily se torna para Nina uma obsessão, tanto como fonte de inspiração quanto como adversária na dança, uma vez que a paranoia a faz ter certeza que Lily deseja lhe roubar o papel. Enfrentando uma Lily idealizada na sua mente, Nina enfrenta apenas os próprios tabus, o que rende também cenas picantes como a bem executada transa entre as personagens.

O final é emblemático, e obviamente não contarei aqui. A conclusão da obra é impactante, tem a interpretação mais visceral de Natalie Portman, e vai arrancar um sorriso de satisfação daqueles que realmente gostam do cinema-arte, mas posso adiantar que o simbolismo nunca teve utilidade tão prática. E tão brilhante.

* * * * * (cinco estrelas)

Meu favorito ao Oscar desse ano, concorrendo a melhor filme, diretor, atriz, edição e fotografia.


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